Ana Cláudia da Silva Torres[2]
Resumo
Este artigo tem por objetivo abordar sob o ponto de vista histórico, a questão da política dos republicanos e dos excluídos do Rio de Janeiro no período de transição do império para a república. Através de uma forma sintetizada, faz uma análise da imagem da sociedade e de como o governo de diferentes épocas assumiu posturas semelhantes de desqualificação do povo brasileiro.
Palavra-chave: República, excluídos; cortiços sociais.
Uma democracia se implanta no Brasil na primeira república. Através de idéias européias, aqui se tentava por em prática e consolidar os planos que ganhavam forma através do discurso, das imagens e das representações. O Rio de Janeiro sofre grandes transformações urbanísticas entre os anos de 1902 e 1904 no governo do prefeito Pereira Passos, nesta mesma época chegam milhares de imigrantes nos portos brasileiros no período tradicionalmente conhecido como da primeira imigração massiva. As idéias fervilham por toda a parte e o Rio ganha ares cosmopolitas. Eles viam aqui, a grande possibilidade de refazer suas vidas neste novo Eldorado, tinham intenção e a visão de que o Brasil seria um meio pelo qual poderiam sonhar e construir uma extensão de Paris. Este magnetismo fez com que a cidade fosse abarrotada de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo; as diferenças sociais também nasciam proporcionalmente com a mesma intensidade que se construíam as novas ruas e vilas.
A nova forma de governo neste período, a Republica, teve como governantes os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto durante os quatro primeiros anos de existência do novo regime e segundo afirma José Murilo de Carvalho (1989, pp.45) a “República, ou os vitoriosos da República”, fizeram muito pouco em termos de expansão de direitos civis e políticos”. Referente a essa afirmação fica nítido que a população sofreu exclusão social. A maior parte da sociedade, cerca de 80% da população não votava.
O voto era concedido somente aos grandes comerciantes, aos políticos e a todos aqueles que faziam parte de uma classe desejosa de perpetuação do poder.
Ficavam de fora, as mulheres, os mendigos, os pobres (seja pela renda, seja pela exigência de alfabetização), os menores de idade, os praças de pré e membros religiosos. Dessa forma era possível imaginar que o Brasil era um país com vários problemas políticos e sociais.
Segundo Edgard Carone (1930-1937, pp.210) concluía que “o problema social do Brasil é a alfabetização e o povoamento, é o combate ao deserto e a ignorância”.
Partindo desse pressuposto, a primeira cidade brasileira a sofrer reformas, após o advento republicano na condição civilizadora de “Paris”, foi o Rio de Janeiro. A população carente pagou um preço muito alto, pois o Rio tinha que manter os padrões de Paris, e a classe menos favorecida ficava excluída dessa mesclagem de transformações. Segundo Sevcenko, (1998, p.137) “o comércio dividia paredes com habitações luxuosas, ou remediadas, e não raro com cortiços, estalagens ou casas de cômodos”.
A maioria da população foi obrigada a sair de cena da vitrine de Paris. Essa classe menos favorecida foi se aglomerar nos cortiços, nos morros como se fosse uma colméia humana. Segundo Aluísio de Azevedo o cortiço possuía:
[...] mais de 400 casas e constituía uma pequena república com vida própria, leis próprias, detentora da inabalável lealdade de seus cidadãos apesar do autoritarismo do proprietário. [3]
O famoso conde d’Eu[4], que por sua vez era genro de Dom Pedro II, tinha um grande controle sobre os aluguéis dos cortiços. Os padrões de construção era cada vez mais exigente, e isso facilitaria o controle de preço desses cortiços.A população mais pobre não tinha escolha ou morava nos cortiços,ou simplesmente, mudariam para os morros onde ficariam mais isolados dificultando ainda mais a sua participação nos trabalhos.
Nesses cortiços formavam-se novas Repúblicas de valores pertinentes a seus hábitos e condições de sobrevivência de seus moradores. Assim José Murilo de Carvalho diz (1987, p.39) “Ali se trabalhava, se divertia, se festejava, , se fornicava e, principalmente,se falava da vida alheia e se brigava’. Mas existia ali um entrosamento de amizade, respeito caso algo de fora, mesmo de outros cortiços viessem atingi-los principalmente se fosse a polícia, logo se uniam para defender seus interesses, pois acreditavam que cortiço bom a polícia não entrava, se entrasse era sinal de desordem.As moradias dessa população excluída do berço da civilização, eram consideradas desumanas por causa das péssimas condições de vida, da falta
[1] Artigo apresentado à disciplina História do Brasil do século XX, sob a orientação da docente Maria Liliane Fernandes Cordeiro Gomes.
[2] Aluna de graduação em História do Departamento de Educação-Campus-X/UNEB Teixeira de Freitas, Bahia.
[3] AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: moderna, 1983.
[4] Conde d’Eu – Luís Felipe Maria Fernando Gastão de Orleans. Tornou-se príncipe pelo casamento com a Princesa Isabel, filha do Imperador Dom Pedro II.
Assim Luiz Azevedo descreve como era o cortiço (1857/1913, pp.35), eram cinco horas da manhã e o “cortiço acordava, abrindo não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas”. Tudo ali era repartilhado: as janelas as paredes, a torneira para lavar o rosto de manhã e o banheiro.
Ao analisar essas condições de moradia o governo imediatamente, mandou grupos de higienização para visitar esses cortiços e vacinar todos aqueles moradores. Essa medida também era entendida como higienização racial. A cada caso confirmado dessas doenças citadas anteriormente, o governo ordenava que retirassem aqueles moradores causando assim uma exclusão social ainda maior. Se sentir um pária enfermo e perder o direito de moradia através da humilhação de serem retirados das residências, nesse formato era arrancado desses excluídos o pouco que lhes restara de sua decência e integridade moral.
Os hábitos de consumo no Rio de Janeiro refletiam a crescente influência européia. Nessa época (1872) abrigavam-se no Rio mais de 84 mil estrangeiros, em sua maioria francesa, inglesa, portuguesa, alemã e italiana, esse número correspondia a quase um terço da população. O jornal, O Paíz, 19 de setembro de 1917, dizia:
[...] Por maior que seja a hospitalidade que oferecemos a todos os estrangeiros que procuram o Brasil; por mais premente que seja a necessidade de incrementarmos o povoamento do nosso solo não, poderíamos ir ao extremo de transigir eternamente com os imigrantes que não sabem ou não querem corresponder ao acolhimento amigo que lhes dispensamos e, cuja permanência, entre nós, possa sim ser de fato, indesejável.[1]
Esse jornal dedicava poucas linhas aos elementos estrangeiros vindos de grandes e frequentes imigrações desordenadas. De fato começava assim uma luta que envolvia imprensa, política, polícia, imigrantes e trabalhadores nacionais, todos envolvidos na limpeza urbana do Rio de Janeiro que prejudicava a imagem de um país que se queria civilizado e moderno, livre de toda a sujeira material e moral. Os jornais da época eram o elo de controle político, pois eram tendenciosos, e através deles se conseguiam muitas adesões.
O convívio social também se modificou, as famílias elegantes passaram a freqüentar sorveterias, confeitarias, onde se tomava chá inglês. Essa classe pertencia a uma parcela muito pequena da população composta de altos funcionários, cortesãos, familiares dos barões do café, banqueiros, grandes comerciantes e os pouquíssimos industriais que haviam. A existência da confortável elite exigia os serviços da maioria da população carioca, que era composta de ex-escravos, pessoas livres e pobres, muitas delas negros e mestiços. Essa mesclagem de contrastes sociais caracterizou outra face do convívio da nova sociedade do Rio de Janeiro.
Essa outra parte da população a serviço da elite eram os excluídos da cidade que moravam nos cortiços e morros. Nesses locais e em outros semelhantes, moravam famílias de trabalhadores pobres e numerosos desempregados que pagavam seu aluguel para dispor de um pequeno espaço, mesmo com péssimas condições de higiene e em locais que mais se pareciam uma colméia humana.
A idéia era de que no Rio de Janeiro não existia povo de direito, já que não participava politicamente das transformações sociais, José Murilo mostra-se enfático em afirmar:
O povo sabia que o formal não era sério. Não havia caminhos de participação, a República não era para valer. Nessa perspectiva, o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse à manipulação. Num sentido talvez ainda mais profundo que o dos anarquistas, a política era tribofe. Quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio por ocasião das grandes transformações realizadas à sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra.[2]
Os “povos” tanto existiam como resistiam em diferentes situações, que se revelaram também através de povos políticos e sociais, para muitos eruditos do final do século XIX e inicio do século XX, onde a miséria dos excluídos proporcionava o surgimento das reivindicações, seja elas por revoltas ou por participações em massa em protestos políticos. O sistema político desejava livrar-se das impurezas intelectuais e corporais de uma velha sociedade. Por sua vez os que careciam de privilégios sociais eram considerados lixo urbano e para combater a pobreza, nada mais coerente que limpá-la.A cidade do Rio de Janeiro, não apresentava as características da cidade burguesa onde se desenvolveu a democracia moderna. A relação da república com a cidade só fez, em nosso caso, agravar o divórcio entre as duas e a cidadania. O povo não se enquadrava nos padrões europeus nem pelo comportamento político, nem pela cultura, nem pela maneira de morar, nem
[1] Jornal – O Paiz, 19 de setembro de 1917, “Os Indesejavéis”.
[2] CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 160.
O peso das tradições escravistas e colonial obstruía o desenvolvimento das liberdades civis ao mesmo tempo que viciava a dos citadinos com o governo.
Aos poucos a cidade com as suas próprias repúblicas de irmandades religiosas, nos cortiços, nas maltas de capoeira, ironicamente que se foi construindo a identidade coletiva da cidade. Foi nelas que se aproximaram povo e classe média, foi nelas que se desenhou o rosto real da cidade, longe das preocupações com a imagem que devia apresentar à Europa.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: moderna, 1983.
CARONE, Edgard. A república velha. 4. Ed.. Rio de Janeiro: Difel, 1978, p.416.
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Jornal – O Paiz, 19 de setembro de 1917, “Os Indesejáveis”.
MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 137-140.